Noite dos mortos

Noite dos mortos

Tec-tec.Tec-tec. Eu estava deitado na minha cama vendo o galho da árvore bater na janela. O vento nesta noite estava forte. Eu já havia passado a noite anterior sem dormir. Sou médico e ontem estava de plantão. O barulho do galho na janela não me permitia dormir. Tec-tec. Tec-tec. Já devia ter cortado esse galho. Tec-tec. Tec-tec. O barulho é insuportável.
Em noites que sucedem meus plantões sempre são assim. Vento forte. Batida do galho na janela. Insônia. Ontem uma criança morreu aos meus cuidados. Sempre fico com a imagem dos mortos na mente. A criança tinha apenas sete anos. Era alérgica. Descobriu tarde demais. Morreu com a garganta obstruída. Não tive tempo de fazer nada. A imagem da criança atormentava-me, junto com o maldito batido do galho na janela. Tec-tec. Tec-tec.
Já passa das duas da matina. Eu ainda não preguei o olho. Maldito galho. Maldita criança. Tec-tec. Tec-tec. Resolvo beber água. Vou até a cozinha sem acender as luzes. O caminho não tem obstáculos e já os conheço de co. Bebi água olhando a janela da cozinha. Por ela fico vendo a rua vazia e o céu sem estrelas. Vi as primeiras gotas da chuva caírem antes de voltar para o quarto. Já não escutava o barulho do galho na janela. Apenas escutava o barulho da chuva fina caindo.
Quando entrei no quarto percebi o motivo de eu não escutar mais o galho batendo na janela. Fiquei imóvel por alguns instantes. Maldito galho. Maldita criança. Malditos mortos. Virei para sair do quarto e dei de cara com o paciente que morreu na semana passada. Tentei gritar. Não consegui.
- Dormir doutor. Ele me falou.
Senti uma paz gigante. Voltei a olhar a janela.
- Dormir doutor. A criança me falou.
Os mortos tiveram pena de mim. Todos os pacientes que morreram aos meus cuidados estavam lá. Um segurava o galho. Os outros cantavam uma linda canção de ninar. Dormi como um morto. O sono da paz eterna. Acordei era meio-dia. Apenas a criança continuava comigo. Ele sorriu e desapareceu. Suspirei e falei.
- Benditos mortos! Benditas crianças!

Thyago C Correia